Ninguém o supera nas denúncias do lamaçal guineense – Recensão da obra «OS CAMINHOS DA MORTE».

Por Mário Beja Santos

Há uns anos, conheci este escritor corajoso graças ao livro “Maré branca em Bulínia”, uma quase metáfora muito bem engendrada e com subtil arquitetura da escrita, a revelação nua e crua do narcotráfico na Guiné-Bissau. Manuel da Costa é um engenheiro-escritor que tem um percurso imparável, formou-se no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, é mecânico de eletricidade e instrumentos de aviões, tenente-coronel, Diretor Geral de Modernização da Produção das Forças Armadas, tem outras altas incumbências, é relator de documentos do maior relevo, é comentador radiofónico, poeta e romancista. “Os Caminhos da Morte”, Nimba Edições, 2023, será porventura a sua obra mais recente, apresentando como um romance policial, do tipo do “romance negro” (investigação detectivesca com casos macabros, mafiosos, tiroteios e ciladas) e o autor esclarece-nos quanto aos seus propósitos, não esconde que a alegoria ficcional é inferior à realidade:

Manuel da Costa, é engenheiro e escritor, formou-se no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, é mecânico de eletricidade e instrumentos de aviões, tenente-coronel, Diretor Geral de Modernização da Produção das Forças Armadas, tem outras altas incumbências, é relator de documentos do maior relevo, é comentador radiofónico, poeta e romancista

“Bulínia é um país fictício e tudo o que escrevo sobre ele é produto da minha imaginação. As boas criaturas e os grandes monstros que criei são cidadãos de Bulínia e não pertencem a mais nenhuma nação. Assim, se os nomes que dei às personagens e aos crimes investigados tiverem alguma semelhança com uma ou outra qualquer realidade, tenham a certeza que se trata de mera coincidência. Os Caminhos da Morte aborda o problema do narcotráfico na vertente do combate e consumo de drogas em Bulínia.” E despede-se desafrontadamente: eis um policial para chamar à razão os falcões da tabanca e, com toda a modéstia, civilizadamente, calar a boca de quem pisa e manda calar o “zé-ninguém” que vive sem voz.

Numa completa inversão da clássica trama policial, logo saberemos quem dirige a batuta da rede criminosa, e vão desfilando: a canalha cúmplice dos narcotraficantes, os gangsters, saberemos muito cedo que há ramos das Forças Armadas que desobedecem à Justiça, e há um detetive herói, um inspetor da Polícia Judiciária, Mário Baticã Ferreira. Tudo começa com um homem morto no Bairro dos Veteranos da Revolução, degolado e cortado à catana. Comparecem a Polícia de Intervenção Rápida e o pessoal da Brigada de Investigação Criminal da Polícia de Ordem Pública. A médica forense é mulher do Dr. Marcelino, o mandante do crime, associado ao Patrão Lino, outra figura sinistra. Fora um crime cometido por profissionais, não deixaram indícios, com exceção de uma beata de cigarro (revelar-se-á de grande importância). O assassinado tinha um pé em Portugal e outro em Bulínia, vivia dos negócios de empresários de construção civil e era patrão de cocaína. A médica forense entregou o relatório da autópsia ao inspetor Baticã Ferreira. Apurou-se as escoriações, o que bebera e comera, começava a investigação por identificar os últimos passos. Baticã trabalha em parceria com o investigador Lona Dafa, procuram saber quem é quem nesses bandos que faziam assaltos, mas havia o aspeto surpreendente de que aquele crime não fora praticado por delinquentes inexperientes. Começam a interrogar gente ligada a toda a espécie de crimes, começaram por um mandante de assaltantes, depois foram a uma discoteca por onde passou o assassinado com uma rapariga; Baticã recebe a visita da namorada do assassinado, ela dá informações, estava na discoteca e apareceram três rapazes, o assassinado, de nome Aliu Candé, partiu com eles. A mulher portuguesa daquele denunciou alegadamente o mandante do crime, alguém a quem Aliu devia dinheiro em Lisboa, ela sabia que o marido era traficante.

Tudo leva a crer que o romance enveredara por um processo investigativo bem convencional, não é o caso, vamos descobrir que existem informadores dos narcotraficantes dentro das polícias, que há generais dedicados ao crime que exercem o seu poder de influência junto de decisores políticos. Procura-se junto de outro suspeito, Quintino Diague, aparece uma pistola, uma nova pista de investigação. Temos novo assassinato, é inegável que por detrás dos crimes anda o Patrão Lino. Há também uma rapariga que foi degolada, temos aqui um emaranhado de pistas. Nesta teia de situações em que o leitor sabe que a realidade supera a ficção, são reveladas as conivências entre militares, forças de segurança e políticos. Mário Baticã é incansável, estão identificados os jovens que mataram Aliu Candé, o negócio da cocaína vai produzindo mais vítimas, Tio Caló é degolado. Manuel da Costa é primoroso na formulação dos enredos e na simplicidade empolgante com que vai capturando o leitor:

“O Coronel Besna Na Rembe desconfiou de Busnassum. Ameaçou matá-lo com makarov apontando contra a cabeça dele para lhe destruir os neurónios. Sem demoras, ele confessou o crime e o pecado que fizera. Traição. Porém, disse-lhe que foi a mando do Senhor Marcelino. O Coronel Besna não perdeu mais tempo com ele. Foi para o Patrão Lino no escritório. Disse-lhe que não lhe pagava a dívida porque a droga era do antigo Grupo Águia que a Polícia desmantelou. Exigiu ainda que lhe pagassem o carro que mandou incendiar. Deu-lhe apenas três dias para se desenrascar. Nem uma hora a mais senão, iriam fazer ajuste de contas.”

O mandante Dr. Marcelino tem uma espia junto da polícia, vai ficando aterrado com as informações que ela lhe traz, há um general, uma figura lendária do tempo revolucionário, também anda metida no negócio. O autor desloca-se agora para outra zona purulenta, a justiça, os políticos afastam os incorruptíveis, aparece agora um magistrado que vem substituir o impoluto Procurador-Geral da República. Entra em cena o famoso juiz Crisóstomo Alvarenga que quando abriu o dossiê encontrou os nomes do general, do capitão, o Dr. Marcelino, os três rapazinhos carrascos, e mais outros nomes sonantes do mundo do mal, gente dos Grupos Hipopótamo e Manduku, pediu licença para ir gozar férias de inverno em Portugal. O incorruptível Dr. Augusto Correia dos Reis volta a pegar no caso, faz-se justiça formal, e assim se vai desfechar a tragicomédia:

“De repente, quando os condenados estavam a ser conduzidos para a prisão pela Polícia, a fim de irem cumprir a ordem do meritíssimo juiz, chegou uma carrinha de dupla cabine cheia de tropas fortemente armadas. O objetivo dessa incursão rompante no Tribunal era apenas para resgatar o Capitão Busnassum sob o pretexto que era oficial das Forças Armadas e não podia ser levado para uma prisão de alta segurança. Portanto, tinha de ser preso nas instalações militares para cumprir a sua pena de acordo com a antiga lei da era colonial que ainda estava em vigor.

Gerou-se uma grande confusão entre magistrado, polícias e militares. Não se entenderam. A bem ou a mal, os soldados aplicaram a lei da força para ver se cumpriam a missão. Então, deu-se pânico geral no Tribunal quando soaram rajadas de kalashnikov para o ar e chicoteadas com cinturões. Houve fuga em debandada e ninguém mais parou para defender o que quer que fosse.”

A literatura guineense tem sangue na guelra, e não só bons escritores, são destemidos a pôr a nu o lamaçal que não se confina ao narcotráfico.

De leitura obrigatória.

Mário Beja Santos
Escritor, crítico literário.

Para compra ou encomenda de livros, preencha o formulário em baixo!

Anterior

Your message has been sent

Atenção
Atenção
Atenção
Aviso!

Nimba Edições, a sua editora de referência.

#nimbedições

#nimbartgallery

#marcadornimba

#passaportedeartenimba

A obra já se encontra disponível podendo ser adquirido através do email: nimba.edicoes@gmail.com

Os comentários estão fechados.

Site no WordPress.com.

EM CIMA ↑