Sendo o essencial da investigação sobre os Estados com fragilidade dominada por investigadores do Norte, o debate carece de contribuições analíticas de investigadores dos Estados com profundas fragilidades que compõem a organização g7plus, da qual Timor-Leste e Guiné-Bissau são membros. Nesta perspetiva, esta obra é oportuna e bem-vinda, pois, se trata de uma contribuição analítica relevante, com uma visão do Sul sobre fatores endógenos e exógenos de fragilidade dos Estados, soberania e papel do Estado e interdependência entre segurança, estabilidade, desenvolvimento e democratização em contextos de Estados com profundas fragilidades. O autor, politólogo e diplomata, coloca o enfoque na problemática de reconstrução dos Estados, sobre a qual existe um certo consenso na comunidade internacional, como espelham as iniciativas no âmbito das Nações Unidas, revelando, contudo, as contradições e fraquezas das estratégias de statebuilding e os desafios e dilemas sobre modalidades e eficácia das intervenções externas, para o efeito, que decorrem de transferência de políticas. Esta obra é de leitura recomendada para quem se interessa da questão da fragilidade dos Estados, particularmente dos Estados com profundas fragilidades em África. (…)
Por: José Ramos-Horta, Presidente da República Democrática de Timor-Leste, Prémio Nobel da Paz
Sinopse:
A (re)construção dos Estados com profundas fragilidades é examinada no quadro da ordem internacional liberal e a luz das contradições e dos dilemas que caracterizam as agendas políticas e securitárias dos atores externos. As contradições e fraquezas das agendas de intervenção externa, particularmente do statebuilding, e o debate sobre o paradigma do Estado para os países com profundas fragilidade merecem atenção.
O enfoque é colocado na fragilidade dos Estados em África, argumentando-se que podem ser explicadas, simultaneamente, por fatores endógenos e exógenos, ou seja, pelas dinâmicas internas de poder, construções e experimentações políticas, trajetórias históricas e consequências das intervenções externas que provocaram ou aceleraram a (des)construção e o disfuncionamento das instituições políticas, sociais e económicas.
As consequências das intervenções externas sobre o aumento da fragilidade dos Estados merecem particular atenção, num exercício de análise dos impactos das reformas económicas neoliberais e dos efeitos da liberalização política e democratização sobre a estabilidade, segurança e desenvolvimento em África.
(…) “Uma leitura elucidativa da complexidade que países como a Guiné-Bissau vivem em termos de escolhas de políticas de desenvolvimento num mundo assimétrico e desigual. Para os que se interessam sobre a natureza das várias crises que enfrentam esta é uma explicação sucinta dos fatores externos e da sua interconexão com a realidade local. Um esforço meritório e consequente da parte de um diplomata experimentado e engajado”. (…)
Por Professor Carlos Lopes, Escola de Governação Pública Nelson Mandela, Universidade da Cidade do Cabo
Sobre o autor
BREVEMENTE DISPONÍVEL NA SUA LIVRARIA NIMBA EDIÇÕES
Continuamos a falar do romance A Cidade Que Tudo Devorou, por Amadu Dafé, Nimba Edições, 2022
O autor lavra esta sua tragédia com inovação na escrita, este é português com terminologia guineense, o belo crioulo há séculos inventado e sempre mutante; tragédia porque houve traição, não se cumpriram os sonhos de Cabral, houve classes políticas gananciosas, inescrupulosas, ressalvadas as distâncias montaram oligarquias junto do círculo íntimo tanto do Partido Único como dos quadros partidários subsequentes; daí os desfechos da autoestrada da droga, do património escalavrado, dos assassinatos, dos golpes; mas mesmo dentro destes lugares devorados há paixões e esperança e os irans são grandes senhores dentro destas portentosas florestas tropicais, veja-se uma descrição magistral do autor falando deste habitat onde pontificam os poilões:
“Os seus perfumes atraem mais insetos e, por isso, os pássaros colhem boas recompensas. As suas folhas são deliciosas e as girafas são beneficiadas. Os seus galhos são robustos e os macacos conseguem dormir num conforto deslumbrante. Os esquilos fazem bons tálamos no interior dos seus troncos; os ratos, manguços, iguanas, suricatas fazem lindas tocas nas fissuras abertas pelas suas raízes (…) Os poilões, aos pares, amam-se, porque não sabem ser de outra maneira e porque dão corpo ao espírito dos irans.”
Lê-se este estupendo romance como se vê um retábulo, a peça central, a placa giratória, é Bissau a que tudo falta, tecem-se, por meios colaterais, narrativas de perdas e achados, a aparição de grandes amores, logo transtornados, conversações que só um animismo milenário permite, daí o papel dos balobeiros, de certos fantasmas, descobrimos que um dos heróis do romance, além de carteirista e marinheiro, está destinado a estranhas missões, uma delas vai correr mal e vai custar a vida a N’Sunha Badjuda, tudo ocorre numa cilada, tudo vai correr mal a este nosso herói, vai parar à prisão, há um espírito que o liberta, por indicações recebidas vai parar a um balobeiro, uma figura de indumentária extravagante fará uma apreciação da Guiné colonial e da sua transição para a independência, são evocados os antigos combatentes. Mais adiante, o nosso herói recebe instruções para ir ao aeroporto buscar alguém, e o autor faz-nos um comentário do caos que se vive no aeroporto quando chega o avião de Lisboa, pela madrugada:
“A razão por que muita gente ia ao aeroporto, a cada vez que chegava um avião, receber encomendas, deve-se à ausência dos serviços essenciais. Esta era a única forma das nossas diásporas manterem o contacto com a terra, ajudando os pobres familiares que ficaram para trás. O cais do porto de pindjiquiti andava sombreado por uma maré trivial, porque nada chegava pelos navios, ao contrário do afluído aeroporto. Nem mesmo as prostitutas das feiras de caracol eram concorridas como o nosso aeroporto.”
E aquela menina vinda de Lisboa, de nome Sónya, aceita o transporte, fala-se de Bissau e dos irans de tchon-de-papel, da estátua de Cabral, que não deve andar descansado pela traição dos seus camaradas da luta de libertação nacional, o nosso herói cumpre as instruções do Almirante, dirige-se à embaixada de Cuba, temos agora uma história de aventura e ação, mete embaixador e colaboradores, Cabral e Che Guevara são invocados e nisto seis homens armados, fardados e encapuçados, invadiram a sala e dispararam indiscriminadamente , cabe a Sónya o discurso na primeira pessoa do singular, se há pessoa que não sabe o que se está a passar é ela, quem vem quer saber do produto, traz-se uma mala que o herói recebeu do Almirante, o que lá está é pura deceção, há tiroteio, o embaixador morre, quem aparece é António Tabaco, por acaso é conhecer de toda a história do nosso herói e desta Sónya, Tabaco é um intermediário da droga, o nosso herói é espancado, aquele produto é um mistério, acontece que o livro que Sónya escrevera tem algo de premonitório, nisto entra um ministro em cena, novo tiroteio, o Almirante caiu de joelhos, é mortalmente esfaqueado, mas o ministro também não escapou.
Há intenso realismo mágico em toda esta narrativa a que Amadu Dafé em subtítulo diz ser “Uma história confusa, caótica, nunca é escatológica, porquanto do caos nasce a ordem, a amoralidade da natureza.” Regressam à cena pais falecidos, há quem esteja interessado em devolver o sonho de felicidade às crianças, como justifica Sónya: “Libertá-las dessa maldição que é a escravatura, a miséria e claro, as drogas. A estratégia para completar o puzzle passa por escrever e publicar sobre aquele fenómeno do desaparecimento de crianças nas ilhas e todo o mal que as drogas têm causado ao país. É esta a visão que tenho do momento, e embora o meu gato não tenha aparecido como de costume, acredito que as coisas tenham mudado de ângulo para nos permitir enxergar melhor.” Andam os dois caminhando por Bissalanka, Sprança lembra-se do manuscrito que está guardado na sua caverna, quando lá chegam tudo tinha ardido naquele edifício que era um quartel antigo que tinha sido reabilitado com o fito de travar uma batalha secreta contra o mal das drogas e a escravatura. Sónya e Sprança mostram-se dispostos a cooperar para devolver o sonho de Cabral ao país. Caminham pela margem até ao estuário de Bissalanka, Sprança anuncia que o pai de Sónya mora ali, entrámos no universo da fantasmagoria, por processo antropomórfico aquele pai é agora um gato cinzento.
“Enrosca-se em mim, como uma chapa de zinco ondulada nas coberturas das casas da capital. Levanta a cabeça e olha de mansinho para mim. A sua cara expressa alguma aflição e eu prontifico-me para uma operação de salvamento, levando-o ao colo.”
A Cidade Que Tudo Devorou é uma obra inesquecível do que há de melhor da literatura luso-guineense, aliás Amadu Dafé teve o cuidado de nos dar um glossário que facilita a compreensão de inúmeros termos. Amílcar Cabral temia Bissau depois da independência, era também a premonição de que os vencedores pretendiam o melhor da vida civilizada, apoderaram-se das casas do pessoal colonial, usaram as ajudas para terem bons carros, Bissau cresceu desmesuradamente com quem vinha à procura do Paraíso, de deceção em deceção, inventaram-se inimigos internos, fuzilaram-se antigos militares que apoiaram os portugueses, houve empreendimentos megalómanos e a latente tensão entre cabo-verdianos e guineenses cresceu violentamente, deu-se a rotura, a economia falhava, vieram novos auxílios e criou-se uma oligarquia com peso agrário. À falta de recursos, abriu-se a porta à droga, comprovadamente Bissau tornou-se na cidade que tudo devorou, como magistralmente Amadu Dafé, já se apresentara como uma promessa da grande escrita, nos apresenta em obra que irá dar muito que falar.
Por Mário Beja Santos
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Este evento é promovido no contexto da “Exposição Olhares da Guinendade”.
Exposição coletiva “CONVERGÊNCIAS”, apresentada pela Coleção NIMBA ART GALLERY e o artista plástico SIDNEY CERQUEIRA.
Esta exposição coletiva congrega um conjunto de artistas plásticos afro-lusófona e latino americano, representados pela coleção Nimba Art Gallery e obras do artista plástico guineense Sidney Cerqueira.
Será alusivo ao mês de setembro, com o duplo objetivo: representar a celebração da independência da Guiné-Bissau e Cabo-Verde; e a data comemorativa do lançamento do Diálogo entre os Povos Africanos e Latino-Americanos. É importante estimular a cooperação e a solidariedade entre as sociedades civis destes continentes e Portugal, centrado no desafio de construir uma proposta estratégica de integração regional entre os países, baseada no diálogo entre os povos, sendo aqui a arte uma ponte que representa este espírito e convergência das nações que cada artista aqui representa. O palco de exposição é a Cidade do Entroncamento, um concelho que resulta do seu próprio nome e que é uma “CONVERGÊNCIA” de várias culturas, identidades, cidades e nações, que pela sua fantástica inserção geoestratégica faz ligações entre vários povos e lugares.
Aristas plásticos presentes:
SIDNEY CERQUEIRA, ou simplesmente Sidney Cerqueira é um pintor de artes visuais da Guiné-Bissau nascido em Lisboa a 16 de dezembro de 1980. Sendo filho de pais guineenses, foi levado para a cidade de Bissau na Guiné-Bissau, onde viveu até aos 20 anos, altura em que se mudou para Portugal para terminar o ensino secundário, onde vive desde o ano 2000. Começou a sua incursão nas artes visuais em Lisboa por volta de 2004, e desde então tem vindo a seduzir o mundo das artes com as suas pinturas. Depois de experimentar várias técnicas, desde carvão, a óleos sobre tela, Sidney é hoje o único pintor de artes plásticas das antigas colónias de língua portuguesa que cria o “Realismo Espontâneo”, um estilo criado pelo Voka. As telas de Sidney não são apenas marcadas por cores marcantes e um incrível domínio de técnicas usando combinações de pinceladas e espátulas, mas também chamam a atenção para temas socioculturais controversos, como violência doméstica e abuso infantil, para citar alguns. Os mais destacados incluem “Dak’art 2014” no Senegal, “Galeria Teatro Municipal da Guarda” em Portugal, “LuxExpo 2014” no Luxemburgo, “Camera Legislativa do Distrito Federal” em Brasília, capital do Brasil, “Vera World Fine Art Festival” em Lisboa, Liquid Art House, Boston, EUA Thermes Marins, Mónaco e Gallery at the Piano factory, Boston, EUA.
AIRES MELO, natural da Ilha da Boavista, Cabo-Verde. Desde muito pequeno teve interesse pela arte de desenhar, o lápis e o papel tornaram-se os melhores amigos dele. É autodidata, frequentou atelieres e curso de design e multimédia na ESART em Castelo Branco, Portugal. Trabalha como artista e ilustrador, tenta criar sempre algo novo e interessante em cada obra que realiza. É apaixonado pelo carvão, grafite e pelo equilíbrio entre as escalas de cinzas entre o branco e o preto. A arte motiva-o a fazer sempre mais e melhor e por isso indissociáveis.
IRLEY BARBOSA RIVERA, nascida a 14 de novembro de 1980 em Bissau, é uma artista plástica contemporânea guineense e portuguesa com dom artístico desde criança. Começou a desenvolver a sua arte de forma autodidata em 2005, realizando e participando em exposições e eventos artísticos em Portugal, Guiné-Bissau, Tunísia e Costa do Marfim. Inicialmente pintava para decorar a sua casa e dar de presente aos familiares e amigos. Foi em 2014 que tornou a sua atividade artística profissional. Ela exprime-se através da arte contemporânea africana, explorando temas como a identidade cultural, símbolos, objetos, riqueza natural e as paisagens do continente, retrata igualmente a condição da mulher africana. A sua arte é figurativa e abstrata, o seu estilo é composto de uma estética colorida e alegre e a sua técnica associa sempre a pintura acrílica e a colagem de materiais recuperados, concretamente a rica variedade do pano africano que traduz a alma da Africa o “legóss”. Irley viveu 5 anos na Tunísia e reside atualmente na Costa do Marfim onde criou em 2016 o Estúdio/Galeria de arte “Harmony” no qual expõe de forma permanente as suas obras e também trabalhos de outros artistas locais como forma de incentiva-los e igualmente de aglomerar e promover a arte africana. A artista acredita que promover a arte africana é contribuir para a promoção da Africa e da preservação da sua identidade cultural.
YUNIEL DELGADO CASTILLO, é graduado pela Academia de Belas Artes San Alejandro, Havana, Cuba, 2011, Reside atualmente em Espanha, Madrid. É um artista plástico que explorou diferentes suportes e técnicas, como gravura, escultura, instalação, pintura e desenho, e até se aventurou também no design. Concentra-se em grandes formatos de tela, murais pictóricos e de instalação, além de grandes esculturas ambientais e peças escultóricas para interiores. A sua obra é considerada, em linhas gerais, expressionista, devido à marcada influência do referido movimento artístico e de algumas de suas figuras, cubanas e internacionais. Yuniel Delgado também foi indicado para o programa de bolsas e comissões da Cisneros Fontanals Art Foundation (CIFO) em Miami. Também foi premiado com programas de residência e exposições coletivas em Napoly, Itália, em 2016, no Pam Museum; e em Chopehenaghen, Dinamarca, em 2019. Além disso, ele lecionou sobre sua arte na Roberson Art Gallery da Pennsylvania State University. Participou de leilões e feiras de arte como as de Florença e Dinamarca. Colecionadores particulares de diferentes países se interessaram por seu trabalho, tanto pelo que produziu em Cuba como no exterior. Nesse sentido, as suas peças fazem parte de coleções particulares na Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Itália, Espanha, Rússia, Portugal, Luxemburgo, Costa Rica e em outros países da Europa, Ásia e América Latina.
TUTU SOUSA, a artista plástico cabo-verdiano, nasceu em São Vicente e desde os dois anos de idade vive na Cidade da Praia. Tutu Sousa começou a desenhar e a pintar desde muito cedo e hoje tem no seu curriculum várias exposições individuais e coletivas realizadas tanto no país como no estrangeiro. Cada quadro representa um tema musical, um estilo e algo que tem a ver com a cultura cabo-verdiana. Por exemplo, quadro onde mostra a morna Sodad, também serenata, noites de morna, tabanca, etc… tudo temas relacionados com a música e a cultura cabo-verdiana”. No percurso do artista constam várias exposições individuais e coletivas em várias ilhas e em alguns países da Europa, Estados Unidos, Dubai e China, para além da realização de dezenas de pinturas de murais decorativos no Aeroporto Nelson Mandela, na Cidade da Praia, e no Aeroporto Amílcar Cabral, na ilha do Sal. Em 2015 recebeu da Câmara Municipal da Praia uma medalha de reconhecimento pelo seu trabalho de embelezamento com obras de Street Art na capital. No mesmo ano, foi nomeado Artista do Ano na Gala Marca de Confiança dos Cabo-verdianos. Tutu Sousa venceu no ano passado (2018), o prémio Homem do Ano, na IV edição do Somos Cabo Verde.
Exposição coletiva “CONVERGÊNCIAS”, apresentada pela Coleção NIMBA ART GALLERY e o artista plástico SIDNEY CERQUEIRA na Galeria Municipal do Entroncamento.
Inauguração dia 24 de setembro | sábado | 17H00
Pinturas dos artistas plásticos presentes: Sidney Cerqueira, Tutu Sousa, Irley Barbosa Rivera, Yuniel Delgado Castillo e Aires Melo.
“Paraninfo para um escritor maior da literatura luso-guineense”
Por Mário Mário Beja Santos
Mário Beja Santos
Já conhecia um livro belíssimo de Amadu Dafé, Ussu de Bissau, uma denúncia corajosa do desvio de crianças guineenses para o tráfico sexual e escravatura, só lamento que esta joia quase seja mantida no anonimato, possui uma tessitura muito própria, uma construção subtil que confirma que não há esmalte literário se a história não é bem contada e não a retivermos como valor no edifício dos nossos princípios.
A obra que acaba de dar à estampa coloca-o ao nível dos primeiros nomes da literatura da Guiné a alcandora-o a expoente entre as figuras principais da literatura lusófona. Ele pega numa frase do investigador António Duarte Silva para construir a radiografia da Guiné atual, centra-se em Bissau, A CIDADE QUE TUDO DEVOROU, Nimba Edições, 2022.
Amadu DaféImagem do livro
A urdidura das peripécias que ele vai narrar investem no realismo mágico, há para ali uma língua portuguesa que é desossada, recebe injeções de crioulo, desce ao terreno da laterite, mete golpismo, assassinatos, delinquência, gente que conversa com fantasmas, paixões desmesuradas, desmonta-se o machismo, aquele maldito mercado da droga, ali se fala sem cessar das crianças misteriosamente desaparecidas do arquipélago dos Bijagós. São narrativas que se entrepõem, há falas para irmos até ao abismo das mentes e perceber o que move N’Sunha Sprança, Sonya, Lante Ndam Kdutar, Tabaco, Almirante, Kanserá Só, todos a contracenar num palco dramático, porque este primor literário não é só uma radiografia, é o espelho de uma tragédia, onde se fala permanentemente do caos em que vive uma nação mas onde os jovens ainda têm uma réstia de esperança.
Mercado de Bandim, Bissau
É literatura da modernidade, as mulheres são mostradas fora da submissão, mas não se deixa de mostrar a moral vigente: “Estava feliz. Não teria mais de suportar aquele ardente desejo de ser casada, aquela pressão social de ter de encontrar um homem bom, pressão esta que lhe fez espécie desde que se formou badjuda. Era ela e eram todas as outras mulheres da terra. Mesmo aquelas que tinham, pela alcunha, uma premonição menos favorável, ansiavam pelo aparecimento de um homem para casamento. A sorte da mulher é na porta do casamento, dizia-se. Um dos mais fortes sinais de machismo e misoginia enraizados nesta sociedade, é este castramento de sonhos e construção de dependências. As mulheres só podem sonhar com casamento; são frágeis e sensíveis e por isso precisam de alguém que cuidasse delas. Já os homens podem sonhar alto, almejar riquezas, lutar pelo poder e desposar mulheres, várias. Podem juntá-las na mesma casa, como peças de mobiliário, e podem consigná-las a casa um, casa dois, casa três, ou a vários lares a seu bel-prazer, sem lhes atribuir a propriedade da própria felicidade. Conseguem-no em nome da mentira e a custo de uma manipulação desenfreada. A troco das dependências e fragilidades a que elas se sujeitam.” A conversa entre mãe e filho é palpitante, o pai morrera de forma tão dramática, vivia tão arredio da paixão da mãe que esta guardou no espírito a imagem de um homem que já não lhe pertencia.
E entra em cena N’sunha, e em simultâneo com a paixão de jovens fala-se do morto, Lante Ndam Kdutar, há pouco tempo houvera uma guerra civil em Bissau, vamos saber o que aconteceu: “Ficou claro, mais tarde, para os que se juntaram aos dois oponentes nesta barbarice, de que tinham arriscado a vida em vão. Mataram civis inocentes, pilharam armazéns e desgraçaram o país, deixando-o refém nas mãos dos políticos mal preparados, por causa de um cisme absurdo. Foi vendida a todos a ideia de uma divergência sobre a venda de armas aos insurretos do país vizinho, porém, por maior que seja a montanha, jamais envergará o Sol.” Lante apresentou-se no quartel de Mansoa, assistiu à crueldade de uma chacina dementada: “Quando as tropas da junta militar invadiram aquele quartel, não fizeram reféns nem presos de guerra. Os corpos mortos dos chamados aguentas, crianças e jovens guineenses que lutaram ao lado dos militares estrangeiros, vindos do Senegal e da Guiné-Conacri, para a junta governamental, foram largados nas ruas para os jagudis, os cães, gatos e corvos se alimentarem.
Uma das ruas de Bissau
A cidade tresandava a sangue podre e a almas desabrigadas.” É nesta altura que Lante vai conhecer uma rapariga de seu nome Sán’nan. Gozando de uma vida familiar às direitas, é nessa altura envolvido numa operação golpista, o móbil é o assassinato do presidente da República, por portas e travessas o presidente escapa e é levado para uma tabanca, cena hilariante, da mais refinada tragicomédia, os papagaios vão botando palavrões, o presidente disserta sobre a classe política, nunca diz explicitamente de que etnia fala, mas tece um comentário cheio de vitríolo:
“Esta gente, por natureza, vive pelo poder. Embora durante a nossa luta de libertação se tenham mantido esquivos, porque eram os grandes aliados dos colonizadores, disfarçando-se sempre de comerciantes desinteressados, sempre tiveram o poder em mira. São uma espécie de camaleões venenosos e conseguem disfarçar com uma perícia do caralho… Até a sua religião, que é de uma particularidade diferente da das crenças nacionais, fá-los passar despercebidos.”
E, mais adiante: ”Depois da nossa independência e ao verem-se perseguidos pelo partido que os considerou traidores, por terem sido aliados dos colonizadores, enveredaram-se pela estratégia de espionagem, disseminação de intrigas e conspirações nas fileiras das nossas forças armadas e nas nossas estruturas políticas, em busca da recuperação dos privilégios perdidos ao longo das últimas décadas (…) Nunca aceitaram Cabral como um herói. Ainda hoje veneram os seus líderes que há séculos fizeram aquelas incursões de ocupação desta região e acabaram por transformar toda a zona num lugar de confusões, conspirações e instabilidades, a partir das quais dominaram os planaltos à volta dos rios, essenciais para a pastorícia e o comércio. A verdade, porém, é que foram sempre uma minoria nesta zona, mas com a estratégia de dividir para reinar, tomaram conta de tudo e de todos.” O presidente deposto acaba baleado.
Mudamos agora de campo de ação. Alguém, inominado, está a ordenar papéis, veio até à Guiné numa missão tão mística quanto divina, veio para impedir uma guerra civil iminente, leva uma existência entre o pretérito, o presente e o futuro, é assumidamente a filha de um fantasma e conta-nos onde começou este sonho messiânico, como chegou à Guiné-Bissau, vamos agora navegar entre feitiçaria, doenças do foro da saúde mental, há espaço para as almas do outro mundo e conversação com os mortos, esse alguém veio seguramente de Portugal. E parece que estamos a mudar de cenário, vamos conhecer o balobeiro de Bissilanka, voltamos a ouvir falar em Sán’nan e apresenta-se Sprança: “Cresci como Sprança, sem o é, porque o é, transfigurado de raiva, também da minha parte, expulsou esse alguém, afastando-o dali, fisicamente.” Sprança conheceu N’Sunha Badjuda junto ao pátio da escola de djembrem (barraca), ao lado da casa do General Anónimo, ela acaba por ter por ele embeiçamento, há sempre fantasmagoria, chegou a hora de mostrar a importância dos irans, cabe a N’Sunha a narrativa: “Dizia que ao crescerem juntos, os poilões, habitat natural dos irans, passam os dias a competir, cada um a querer ser o melhor, a tentar captar mais a atenção do resto da floresta e ver-se mais cortejado pelos animais. Entregam-se ao som do vento para verem quem dança melhor. Atiram-se de cabeça desgrenhada às trovoadas, à prova de oposição contra os raios piromaníacos e contra as tempestades devastadoras. Enquanto uns penetram o solo até ao manto, outros engrossam as suas raízes para a superfície. Se uns alargam os ramos para abraçar toda a floresta, outros aumentam o verdume das suas folhas para cromatizar todo o ambiente.”
Aqui se interrompe a recensão, segue no próximo número, adverte-se o leitor que estamos perante um caso muito sério do que melhor existe na literatura luso-guineense.
Leitura imperdível.
Por Mário Beja Santos
(continua)
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Este evento é promovido no contexto da “Exposição Olhares da Guinendade”.
No dia 7 de setembro de 2022, Quarta-feira, na sede da UCCLA, Lisboa, é apresentado *A CIDADE QUE TUDO DEVOROU*, de autoria de Amadú Dafé, escritor guineense, sob a chancela da Nimba Edições, no quadro da exposição *Olhares de Guinendade*.
Quarta obra literária do autor, o romance aborda as peripécias em torno da luta pelo poder na Guiné-Bissau, apimentada por episódios de violência, tráfico de drogas, corrupção, entre outros casos que procuram retratar o trágico dia-a-dia do povo guineense, sem descurar de lançar mãos a discussões de questões quentes do nosso tempo como diversidades cultural e religiosa, mas também a diversas representações da mulher na sociedade guineense.
Antecedido por um momento performativo a cargo do Atcho Express, a apresentação do livro será através de uma conversa intergeracional e de olhares que partem de diversos pontos de vista entre Isaiete Jabula, Tony Tcheka, Sumaila Jaló e o próprio autor, Amadu Dafé, com o início do evento marcado rigorosamente para as 18h de Lisboa.
Apreciación inicial: este é un libro da máis actual poesía guineana, e non de tan difícil acceso como pode parecer. Odio as librarías virtuais multinacionais, mais en casos como este poden ser útiles, téñeno en Amazon, en papel a 12 euros, e versión Kindle por 2,69. Aínda así, moito ollo con Amazon, déronse casos de vender libros fotocopiados como novos.
Apreciación imprescindíbel para lector+s galeg@s: a dimensión semántica en que hai que ler “nos” non se corresponde co noso plural inclusivo “nós”. Ten máis que ver cun singular (“eu”) incluínte que se identifica como parte dunha comunidade. De feito, isto resulta fundamental á hora de ler o poemario.
E non me veñan con iso de “que nos pode interesar a nós a poesía guineana?” Estupideces así nin resposta merecen, a beleza é beleza e non distingue parámetros xeográficos. E non me veñan con iso de “que nos pode achegar esta poesía guineana a nós, europeos occidentais e desenvolvidos?” Porque entón non me queda outra que dicirlles: a poesía decolonial sempre debe interesarnos, como colonia que somos de España (iso, se non se decataron, resulta indiscutíbel). Mais non só por iso, sigan lendo.
Non se trata dun poemario longo, 63 páxinas. Mais si é un poemario de contido humanístico e denunciador moi trascendente. Incialmente direilles que sempre desconfiei desa poesía que presenta o texto como obxecto na páxina en branco e para iso bota man de aliñamento centralizado, un recurso fácil ao que pouco valor dou. Mais neste caso teño que dicir que tal aliñamento constitúe, sen excepcións, un aliado imprescindíbel do ritmo expositivo, e o ritmo expositivo disponse en función dun contido temático que non deixa indiferente a ninguén que teña corazón e sinta o seu bater no peito, que non deixa indiferente a ninguén con principios éticos e humanísticos activos. Pobre xente a que quede inmune á súa lectura.
O libro preséntase editorialmente distribuído en catro partes, sendo que na cuarta a poeta remata por escribir no crioulo (kriol) os poemas finais. Iso indica cara a un proceso de identificación en progreso durante o poemario. E é certo, pois así ten lugar. O primeiro dos corenta poemas é unha sentida declaración de amor á Terra, reencontro e amor pola Terra nativa. Logo disto, a apreciación da realidade en que viven as xentes guineanas provoca un doloroso conflito interno entre a esperanza e o desespero, que non é cousa dun poema senón que habitará en case todos os restantes. Aquí hai que sinalar unha cousa, mentres o proceso interior de identificación coa Terra é progresivo, a realidade é a que é a dunhas xentes no límite da pobreza, é unha realidade de “famintos” e “pedintes”, onde o presente é tan degradado como o pasado e, aínda peor, o futuro (véxase a identificación na liña temporaria), unha sociedade en ruínas na que a xente ten medo (moito medo) de contrariar as regras vixentes.
Helena Neves Abrahamssom
Esta loita ente a esperanza (do que debía ser) e o desepero (do que é) leva a poeta, xa na segunda parte, a tomar conciencia de que os alicerces da súa alma atópanse no miolo desa sociedade descrita. Mais tamén a sentirse “senhora de mim”, empoderamento desde o cal continuar a lectura duns poemas que explicitan o desgarro interior (“As cruzes da alma /escondem / o teatro da vida”), lágrimas que caen para dentro do corazón mentres contempla as xentes ( “Despidos de tudo / Cobertos / Apenas / Com as transparências / da humanidade em fuga). A identificación coas xentes da Guiné, coas xentes da súa Terra, é tal que (lección para moit@s galeg@s) que anuncia que non se trata dunha “visita emocionada” senón dunha toma de identidade plena (“Hei de voltar sempre / Não para ficar / Mas para não morrer”), consciente e parte “Da construção constante / De quem somos”). Unha ousadía que ten un pezo a pagar, si, doloroso, mais sen a cal se perde a personalidade; así pois, se ese é o prezo por ser quen somos, aínda que conleve dolor, moita dolor, é parte de nós. O resto do poemario é unha confirmación do antes expresado.
Volvemos ao título. Pois ese “fora di nos” resultará tamén o que acabará estando dentro. O eu poético contráese en vista da situación humana que describe e denuncia. O eu poético tamén se expande nesa mesma medida. Sístole e diástole humanitarista e denunciadora dun corazón do que se sente o seu bater no peito, no peito da ética humana que se eleva por riba do silencio en que se nos quere confinados.
Nada que non estea sucedendo nesta Galiza que adormece en tanto os ríos lle foron vendidos a foráneos, a forza do vento lle foi vendida a foráneos, os recursos naturais están tamén á venda, a tecnoloxía naval foi vendida a foráneos etc etc etc…ben vostedes saben.
Advertencia final: se len este libro non sairán incólumes del
Atrévanse, se aínda non están mortos.
ASDO.: Xosé M. Eyré
(Membro da Asociación Galega da Crítica)
Esta obra está disponível na livraria on-line da Nimba Edições – http://www.enimba.com
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Olinda Beja (Guadalupe, S. Tomé e Príncipe, 12.02.1946 –) diz que “escreve livros, conta e canta histórias sempre que o seu coração lhe pede” e que “a busca por inspiração inclui viagens, vivências, observações e a herança de uma tradição oral de seu povo que atravessa gerações.” Leia-se, a propósito, na p.12: “Contar tua estória, menino d’ôbô, é atravessar a ilha de uma ponta à outra como quem atravessa o mundo. É falar com novos e velhos, inexperientes e sábios, calcorrear caminhos do mato e praias de areia fina, inventar luas e sóis errantes, ondas de prata, búzios sem concha. Depois ficar à espera que o som do teu nome se dilua no emaranhado das lianas e do pau-gunu”. (Menino D’Obô, p.12).
Olinda Beja respira São Tomé e Príncipe a cada batida do coração. Por amor imenso à terra, sua vida tem sido dedicada à pesquisa apurada da realidade histórica, sociológica, cultural, linguística do seu país e a derramar ou a transfigurar essa realidade na escrita em prosa e na poesia, em recitais, em conferências.
Suas inúmeras obras literárias, vinte e duas, ao todo, distribuídas pelo romance, conto, poesia e pelo género infanto-juvenil, aparecem perpassadas por magia de forças ocultas em lendas e mitos, pela tragédia da escravatura, do trabalho forçado e dos maus-tratos infligidos pelo chicote impiedoso dos capatazes e das autoridades coloniais aos contratados nas roças de cacau, de café, de banana. Neste sentido, realça-se amiúde, como no caso de “Pé-de-Perfume”, o destino desumano de escravos levados para o Brasil pelos senhores dos engenhos como o de tantos cabo-verdianos, angolanos, moçambicanos, enfim, irmãos oriundos de outras paragens de África que a mão implacável escravocrata e do jugo colonial fez aportar às Ilhas.
Emparceirando com cenários fugazes de contentamento, há nos textos de Olinda Beja nota extensa de tons sombrios, sem se esquecer as consequências desfavoráveis para o tecido social, da poligamia masculina, da violência de género e de abusos sexuais sobre mulheres e crianças. Do riso breve ou longo às duras lágrimas e pesada dor, tudo retrata a escritora, com reconhecido engenho literário, em suas obras de ficção ou poéticas.
O leitor deixa-se levar pela correnteza verbal da qual emerge o quotidiano sofrido de vidas santomenses marcadas pelo arco-íris do tempo que as resgata à sombra de um passado em anonimato, quase sempre. Gente simples, coisificada, abandonada à sua pouca ou nenhuma sorte, adquire dimensão humana e passa a ocupar lugar de destaque na cronologia mátria, através da voz militante de Olinda Beja.
É o caso da obra que nos trouxe hoje aqui e que já vai na 4ª edição – “Pé-de-Perfume”, um livro de contos, agora reeditado pela Nimba Edições. Aproveitamos para dar os parabéns ao editor Luís Vicente por sua aposta numa autora desta envergadura de excepção, desejando-lhe os maiores sucessos editoriais.
No Preâmbulo do livro é a própria autora que afirma: “Após o vaguear pelos contos da minha santomensidão, gostava que deles ficasse a fragrância incomparável da terra quente, uma terra impregnada de cheiros e sabores, espreguiçada por palmares dendém e coqueirais sem fim, terra de fluidos e quimeras onde afinal tudo não passa de um prelúdio”.
Não tenha Olinda Beja nenhuma dúvida de sua importância nuclear como embaixadora da cultura e da língua de São Tomé e Príncipe no mundo, uma vez que a história e as estórias do Arquipélago narradas nos livros de sua autoria chegam a países dos diversos continentes, pela sua tradução para as principais línguas europeias e ainda para árabe, mandarim, japonês, russo ou esperanto. Algumas destas obras de ficção ou poéticas são estudadas em universidades ou escolas secundárias do Brasil, Goa, Luxemburgo e integram planos nacionais de leitura, como no caso português. Paralelamente, a autora, várias vezes premiada, participa, frequentemente, em eventos culturais e literários do mundo, sobretudo no Brasil, praticamente, sua segunda casa, onde conta, canta e encanta, qual griot contemporâneo, divulgando a língua e as tradições das Ilhas Maravilhosas. Sublinhe-se aqui sua presença na Exposição Mundial do Dubai, em Novembro de 2021.
As estórias de “Pé-de-Perfume”, marcadas fortemente pelo cunho da tradição africana da narração oral, são transversalmente habitadas por Poesia, ou não fosse Olinda Beja uma grande poeta!, seja na função da linguagem, nas imagens sugeridas pelo desenho dos cenários ou pela postura dos personagens. Leia-se, a título de exemplo: “Todas elas meninas de encantar! Olhos de sereia, bocas de vento, braços de partida e de chegada… gestos de mar em acenos fugazes à linha parada do horizonte.” (pgs.35/36 – A lenda da praia das sete ondas)
Ao mesmo tempo, os contos curtos são encabeçados por epígrafes proverbiais nas duas línguas, santomense e portuguesa, como que anunciando uma lição final das estórias que assumem, assim, muita vez, o perfil de fábulas. A certos animais marinhos ou terrestres emblemáticos do arquipélago são atribuídos traços de carácter humano, mais ou menos positivos. Por exemplo, a tartaruga, o gandu, o papagaio, o falcão, a lagaia, podem manifestar fraternidade, solidariedade, inteligência, perspicácia, mas também ganância, autoritarismo, inveja ou ingratidão.
Beja entremeia os textos com vocábulos e expressões da língua santomense, mais uma das marcas da sua escrita, numa afirmação constante e definitiva de santomensidão, deixando ao mundo glossários que estabelecem a afirmação de uma língua mestiça, crioula. Recorde-se seu poema “Santomensidão”, do livro “Água Crioula”:
Santomensidão
O poema está no ritmo
do nosso sangue cruzado. Na idade
da nossa santomensidão…
cheiros de terra quente
palmares de avó Sipinge
distância em distância entre
o leste e o oeste
o norte e o sul
o poema
é a única rota que deixa sulcos no cais
imensurável dos nossos atropelos
Ao lermos “Pé-de-Perfume”, realizamos uma viagem pela historicidade de S. Tomé e Príncipe. Através da cerzidura de um painel social e popular de hábitos, usos, costumes e tradições em que sobressai o quotidiano das suas gentes estampado na magia da palavra, a autora enfatiza lendas e mitos da terra, num exercício de multi-e-interculturalidade que traz à superfície do presente a mestiçagem genética, linguística e cultural do passado acentuada pelas particularidades da insularidade.
Como noutros textos de Olinda Beja, deparamo-nos, nesta obra, com uma escrita muito visual, parecendo que as palavras têm cor, cheiro, movimento. Desenrola-se ante nossos olhos maravilhados um bailado entre humanos, fauna e flora das Ilhas, ao som das ondas do mar, a coberto da mão prodigiosa da noite e dos curandeiros destapando antigos feitiços. E mesmo nas estórias mais abertas à claridade há um quê de fatalidade no ar que irá dar corpo a um remate trágico ou insólito.
Este é um livro irresistivelmente sedutor, pela palavra perfumada de Olinda Beja, tão olorosa como a flor amarela da árvore ylang-ylang que fez do tartarugueiro Baltasar Gógó um “pé-de-perfume” desejado pelas raparigas, no último conto que dá o título à obra.
CONVITE: Apresentação do livro, “PAIGC – A FACE DO MONOPARTIDARISMO NA GUINÉ-BISSAU (1974 a 1990)”, de Rui Jorge Semedo, com a chancela da Nimba Edições.
Dia 29/11| 17h00 | BISSAU | HOTEL COIMBRA.
Autor/escritor: Rui Jorge Semedo
Coordenação Editorial: Luís Barbosa Vicente
Apresentação: Silvestre Alves e Carlos Sangreman
Sinopse: O Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde – PAIGC – assumiu oficialmente o controle do poder político na Guiné-Bissau em 1974 e, por dezasseis anos, protagonizou o cenário político com um regime de partido único. O propósito desta obra é verificar por que o partido que esteve por um longo período na vanguarda do país, atuando como a única força política que controlava o aparelho de Estado, teve dificuldades para executar as suas principais propostas de governo. Para tanto, a obra debruçou-se sobre as seguintes questões: que influência teve a colonização na formação do PAIGC? Por que o PAIGC enfrentou dificuldades e se viu obrigado a perder a sua identidade binacional considerada como uma das bases do seu principio ideológico? Por que no período pós golpe de 1980 o partido não conseguiu evitar outros sucessivos conflitos violentos? O divisionismo social e étnico fazia-se notar nas estruturas internas do PAIGC? A resposta pode estar entre outros fatores: no legado deixado pelo passado colonial, na heterogeneidade da estrutura social nacional e nas contradições resultantes de luta pelo poder no interior do próprio PAIGC. Embora, apesar das dificuldades que são observáveis, não se pode refutar a sua importância como um ator importante na construção da história política nacional.
CONVITE – Apresentação do livro, “PÉ DE PERFUME – YLANG YLANG”, da escritora OLINDA BEJA, com a chancela da Nimba Edições. Dia 04 de dezembro | 15h00 | ODIVELAS | Centro de Exposições de Odivelas. Coordenação Editorial: Luís Barbosa Vicente Apresentação: Regina Correia Momento musical: Heloisa Monteiro Participação especial: Associação Men Non
É um livro que integra 23 contos, transversal a todas as idades. (…) Baltazar Gógó era o tartarugueiro mais hábil de toda a zona de Neves. Talvez até de toda a ilha. Não nascera com esse condão, só que o destino se encarregara de lhe proporcionar uma sorte daquelas. Filho e neto de pescadores nunca se aventurou mar adentro. Entendia que o mar, naquele padecimento de ida e volta jamais o devolveria a terra firme. Por isso preferiu sempre o ôbô, a sombra opaca do oká e dos tamarindos, o sussurro do vento nas casas de vaplegá. E era aí que suas mãos iam transformando em leque, pulseira ou brinco a carcaça de velhas tartarugas que seus amigos e familiares apanhavam desprevenidas na rede (…).
Sobre a escritora/autora: com mais de 20 obras publicadas, Olinda Beja retrata em todos elas as belezas da ilha onde nasceu, o seu povo materno com os dilemas do dia a dia, o sofrimento através dos séculos, mas também a esperança num futuro melhor. Nascida em Guadalupe, S. Tomé e Príncipe, veio para Portugal, onde se formou, tendo sido professora do Ensino Secundário em Portugal e na Suíça. Durante o ano escolar percorre o mundo lusófono, onde conta e canta histórias que escreve e ouve numa festa de mestiçagem e de culturas. O livro «À Sombra do Oká» recebeu o Prémio Literário Francisco Tenreiro em 2012. Em Portugal este livro faz parte, tal como «Um Grão de Café», do Plano Nacional de Leitura. Tem poemas e contos traduzidos em várias línguas, nomeadamente, francês, inglês, espanhol, chinês e japonês. Recebeu, em 2020, dois Prémios Literários: em julho o Prémio Literário Guerra Junqueiro e em outubro o Prémio Lusofonia — Literatura…. Recebeu, em 2020, dois Prémios Literários: em julho o Prémio Literário Guerra Junqueiro e em outubro o Prémio Lusofonia — Literatura.
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