Recensão do livro «ENTRE TANTO – Djumbai Poético», por Amadu Dafé

O escritor Amadu Dafé oferece-nos para um debate literário a obra poe´tica da Luna Nomad & Mussa Sani publicada pela Nimba Edições. Confira aqui esta excelente recensão:
Uma viagem simples e despretensiosa, diz Nomad, num caminho com muitas dificuldades, adita Sani, e a Nimba dá tempo à ampulheta. Tic-tac, tempo tem. Pessoas e lugares com que os autores se cruzaram. No tempo, sem princípio nem fim. O tempo era tudo o que precisavam, entre tanto, sílaba-a-sílaba, segundo a segundo, tic-tac, para se amarem. Tum-tum, sem sa-ber-em! Que poesia deliciosa! Tempo tem, para lá do cenário idílico…
Os tempos fugitivos foram superados, em teimosia, pacholando, ostentando. Dá que pensar! De que foge a Nomad? Que procura o Sani? Buscando, talvez, superar os tempos fugitivos, entre tanto, encontra…
Mindjer que não é de Bissau nem de ninguém, da gente que a ama, da poesia, com certeza. E se fosse? Advinha-o, nessa sua beleza que é afinal mindjerndade. Mindjeris k badjudas di Bissau, intimidadas, condenadas, atropeladas em pleno desfile imaginário, na praça de séculos de dor e esperança, Sani se revolta e grita alto. Não encontra mais nenhuma graça no corpaço das mulheres como encontra, talvez, no da Nomad e atira uma pedra contra a estátua Maria da Fonte, esconjurando-a. Mas Nomad escuta a voz perdida e, sem garantia, promete ficar, sonhar, sem saber se deve revelar segredos. Sani permanece revoltado, penhorado, segundo o próprio, nas dores do suor, do sol, dos séculos de desesperança do seu povo. O amor assim, de camaradagem-bagatela, não flui. Nomad, visionária, percebia então as múltiplas latitudes do estado de ser. Ela. Se havia alguma nuvem, essa dissipou sem querer, tornando a visão tão cristalina quanto os seus pensamentos. Pensamentos viscosos, turvos. Perdidos, os dois, entre tanto, em silêncios de todos os beijos, em djumbai… Ah! Como um djumbai repristina uma cumplicidade! Os sorrisos do Sani reascenderam e prometeram sombras sagradas… a quem? Não importa, desde que o resultado das navegações por google, por outras orações, não entorpeça o djumbai, entre tanto… Assim passaram de mito a rito, de teoria a doutrina, de crença a fé. E se um google nosso que tudo sabe, guarda e vê, não prevê, entre tanto, esta conexão de almas, click!…
Podia ser um fim. Um certo rombo na cabeça despertaria uma dor implacável, sem eira nem beira… Sangrando silêncios de terra, ondas evolventes… volta o tempo, tam-tam-tam, barreiras culturais, bom-bo-lom, fora dela, fora do sonho… Um sonho de cumplicidade. Que raio de sonho, que só regurgita as dores da esperança, crises, dramas. A pátria! O povo é o dono da arma, mas entre os dois tanto em fundamentação como a ausência de fundamental, não há mundos e fundos… Há uma sintonia, uma partilha da dor, uma revolta contra essa ganância e autocomiseração do povo que é povo, nunca em vão… Mas o povo, como as flechas perfumadas, é sagrado. Se o amor não flui, a causa une. As escritas, nas incertezas, as letras assombradas e as folhas sagradas, trouxeram as cantigas de volta. Flautadas viciantes que tocam nos seus ouvidos. Quanto mais ele pede, mais ela lhe dá as notas. Sedutora, contempla e reza… Que Deus a ajudasse a dar conta das vibrações, vezes e vezes… E Deus trouxe o amor, a glória abriu e o galã entrou de mansinho. Juras de amor, penhoras de almas e devaneios intergalácticos choveram, e puderam os dois dançar nos anéis de saturno. Samba carnavalesca, inconsequentes, a dança afinal permanecia off. Continuando a dançar só, Sani se dá conta de um universo offline. Mas do outro lado da linha radiavam beijos virtuais, sem remorsos, que buscavam por explicações de onde tudo tinha começado…
Numa explosão, dentro e fora, como um big-bang inexperiente, a querença delirava off-on. Off-on, em teorias do multiverso, prometem-se eternidades, guardam-se entregas, abrem-se cominhos dos possíveis e impossíveis amores. E o amor é o que conta, entre tanto… Corações oferecidos, imagens perpetuadas, nadas potencializadas… já não dava para disfarçar entradas e saídas do panteão. Pontos sem nó, direitos com dó, humildades, entre tanto… As asas cresceram como as raízes de um poilão, as vozes levantaram-se bem altas, rompendo as tempestades que se faziam no Cais de Pindjiguiti. Porém…
Um temporal é sempre disruptivo e confunde as navegações por mares das navegações por galáxias de amor. A frequência sinfónica dos corações decaiu para dar lugar às desgovernações, dores e às notas do hino pátrio. Mas Nomad prefere o hino cósmico. Não arisca em sair da órbita romântica, mantendo-se serena e crente no poder da gravidade. A luz é veloz, tão veloz que antes de morrer, recolocou Sani em órbita. Debalde… A essa velocidade e à deriva não há nave que aguente. A entropia é uma lei, tendente a aumentar, provocando enjoos…
Sani luta, de peito ferido, entre olhares mortos e passos permanentes. Nomad teoriza, ponderando generalizar ou julgar. Não encontrando nem bem nem mal numa ciência santa exata, reconhece a conveniência em gritar. Sani abri os olhos, mas confunde o grito dela com os gritos pela libertação do povo. Nomad torna a gritar, pro-gres-si-va-men-te, com ira. Sou tua, disse, sen-do. Sani então dá respostas, cobrando indevidamente dívidas aos aliados para selar uma aliança post mortem das coisas que só os dois entendem. Mas nós veremos que poilão de brá abriu os seus ramos para que os dois pudessem dançar kora e kussundé, ritmos nos quais ainda não se tinham encontrado, mas já estiveram mais longe. No pilão de brá, olharam, olharam, olharam e o horizonte pareceu-lhe devolver algo irreconhecível…. E rezaram!
Olhando para o alto céu, para que os kafumbeiros deixassem de extorquir e aceitassem viver honestamente como os demais…
E os kafumbeiros já tinham minado a conexão entre Nomad e Sani, sem os dois saberem quem foi. Foi quem foi que disse o que disse das condenações, sentenças e escolhas. Mas nada importava, se a viagem era colorida, Bissau Bedju era o destino. Se as conquistas ajudassem a ter uma velhice tranquila nada mais importava. Imprudentes…
Como podiam levar a mal Bissau Bedju? Nem mesmo o carnaval que passa de tempo em tempo permite levar a mal a cidade de Bissau. Vestida de tudu guintis di Guiné, estava longe de ser Lisboa…
Em que santo era António e a geografia da desordem não permita ninguém saber como amar a cidade lisboeta que se deva a todos e de ninguém era. Percorrendo calçadas alfacinhas, que intenções quererá revelar Nomad eterna noiva sua? Ele não é lisboeta, nem é ela dele. Que confusão! Mas ama-a em estrofes de Camões, no fado da Amália Rodrigues e nas ruas do D. Pedro IV. Navega cegamente nas veias do Tejo, Tejo este que é dela, Vasco da Gama, Saramago, Sophia Mello Breyner Andersen e Marquês de Pombal dão-lhe as boas vindas. Ainda agora chegou, a sua esperança já estava abalada. Prosper não quis olhar no mapa para o encontrar, mas não havia assim tanto tempo para saber que já eram horas.
Hora de migrar para dentro. Bolas, que voltas satíricas! Aquela vontade de viver partira e ela não sabia mais como procurar. O amor terá morrido? Que importa a morte? Ele acreditava que fora realmente amado por Mansoa que o ensinou a lutar por bom senso. Por bênção! E foi então que foram ver o céu de Mansoa desabar, sem pressa, abrindo caminhos, em saltos de fé e sem medo de ter medo. E foi então, uma vez mais, que a corrente e a correnteza os divisaram entre Carolina I e Carolina II, levando Nomad à conquista de estradas fora, a sobrevoos de paisagens sedutoras, por onde pudesse renascer. Sani dá-lhe ânimo, atira-a à maratona em busca de respostas, de vitórias que seriam inventadas caso não aparecessem. As vitórias não compareceram? Ninguém saberá, porque djitu ka tem. Até ao dia em que alguém dirá que djitu tem k tem. E djitu tem, quando um quis e não fingiu. Ninguém impôs nada ao outro e mesmo quando depois do amor o cosmos reinventou a amizade, foi djitu k tem. Bom seria se esta história terminasse como a tragédia Romeu e Julieta de William Shakespeare e não fosse como o Hamlet que não teve djitu no fim.
A teatralidade dos poemas deste livro e a exterioridade dos sentimentos vividos pelos autores, não obstante o inegável valor estilístico, leva-nos a pensar se não terá acabado de nascer um novo modo de expressão literária, que mais do que poética tem tanto da verdade. Uma narrativa, por assim dizer, de expressão máxima, de uma sinceridade profunda, envolta num timbre único e inconfundível, que elege cumplicidade e romance como composição perfeita da emoção, onde o conjunto capta o inebriamento da relação na fase a montante da publicação do livro. Convergentes numa paixão arrebatadora, os autores oferecem-nos frases sedutoras, plenas de força, expressão e relevo. Mussa e Luna são, assim, exemplos de uma poesia viva e verdadeira. Qualquer leitor atento envaidecer-se-á quer nos momentos mais íntimos, quer nas hesitações que nada mais são do que a própria dança da vida, porque o livro condensa nos versos um género de tragédia grega que não culminou com o sacrifício do bode expiatório, embora de vez em quando tentasse misturar a sátira com o patriotismo das causas nacionalistas. As estrofes estão ordenadas, não cronologicamente, quiçá kairologicamente, por forma a oferecerem uma história não menos descritiva ou incisiva quanto uma prosa ou uma peça de teatro, e ainda com o plus de um final inesperado. São poemas com vidas próprias, creio eu, destinados a expressar unicamente sensibilidades e aquela paixão inacessível às condições do tempo e espaço, perseguidora do ideal do amor acima de todos os outros aspetos da vida. Recomenda-se!
Amadu Dafé, 12 de março 2021
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